Se eu tivesse uma forja de ferro
Para ferrar o alambique que Palma diz ter
Para escudar a aventura
Que sob "Jura"
Tê faz Velozo não querer ver
Se eu tivesse um cavalo alado
E uma cela bordada a ouro e marfim
Fugia em tempo enevoado
Como que para ti atirado
Em volátil setim
Se eu fabricasse o anonimato
Com as confidências que travo comigo
E tivesse língua de relato
E boca inerte de retrato
E ainda assim segredasse o que não consigo
Se nas óticas solares de Abrunhosa
Me visse espelhado com ardor astral
Havia de fazer-te transpirar
O impossível de disfarçar
Todo o bem que me quisesses
Todo o que me faz mal
Se eu mostrasse as minhas vontades, Quebrasse o silêncio que as detem
E sem sair do meu lugar
Visse de perto o luar
Num invisível vaivém
Se por orgulho ou desistência eu atirasse
Decidisse o meu fim
Não por desespero ou penitência
Nem por piedade ou violência
Mas por já não caber em mim
E se eu pregasse no rosto
Uma pintura em pele cor-de-rosa
Sem expressão, sem desgosto
Com barba feita sem gosto
E indiferença defeituosa
E se eu trouxesse pela rua
Um casaco miserável de chuva e relento
Se me soltasse dos meus
E me livrasse de Deus
E explorasse para dentro o talento
Se eu fizesse canções
Poemas, músicas, orquestrações
Que o maestro Marinho aprovasse
Que a crítica não destroçasse
Por vos unir os corações
E se eu enfim suportasse a solidão
Sentado no quarto escuro ao piano
E fosse apenas canção
De arritmada percussão
Apenas dono do mundo, soberano
Se por fim a ti chegasse
Com cantos que pretendem embebedar
E chegasse à conclusão
Que não me querias em canção
Mas no meu mais sóbrio
Aquele que nada tem para dar